Tem sido cada vez mais comum a utilização do usufruto sobre quotas de sociedades limitadas, especialmente nos planejamentos sucessórios em empresas e holdings familiares.
Basicamente, o sócio (patriarca/matriarca), ao longo dos trabalhos de planejamento sucessório, ainda em vida, transfere suas participações societárias aos herdeiros, normalmente por doação, reservando para si o usufruto vitalício sobre as quotas, visando principalmente a manutenção dos direitos de voto e de recebimento dos dividendos.
Assim, os herdeiros (nu-proprietários), passam a deter os direitos societários até a extinção do usufruto, via de regra, no momento do falecimento do usufrutuário.
A ideia consiste no adiantamento da sucessão, a fim de evitar potenciais conflitos e problemas comumente presentes nos processos de inventário, reduzir custos, ganhar possível eficiência fiscal, além de deixar a situação patrimonial mais organizada.
Ocorre que, em diversas situações, o sócio majoritário somente se sente confortável em realizar a transferência das quotas, sem entregar o comando e os resultados da empresa. Contudo, manter o direito de voto e o de percepção de dividendos não se mostra suficiente para garantir absoluta segurança e evitar que os novos quotistas (herdeiros) pratiquem atos de natureza societária não alcançados pelo instituto do usufruto.
A título exemplificativo, indicamos o direito de retirada. Retirar-se não significa a saída de um sócio em razão da venda ou doação de suas quotas (cessão). Quando fala em direito de retirada, o Código Civil trata do mecanismo extrajudicial pelo qual o sócio de uma limitada pode exigir/obrigar da sociedade (pessoa jurídica) a liquidação das suas quotas e o pagamento do seu valor, apurado através de critérios legais e contratuais que, em regra, levam em consideração o contexto patrimonial da empresa para o cálculo e apuração de haveres.
Notem que não se trata de venda e tampouco doação. A jurisprudência recente passou a admitir o exercício do direito de retirada em qualquer momento, independentemente de motivo, desde que a sociedade tenha sido celebrada por prazo indeterminado, através da aplicação de dispositivo legal referente à sociedade simples (art. 1.029 do Código Civil).
O capítulo do Código Civil que regula as sociedades limitadas não traz qualquer regra específica envolvendo usufruto sobre quotas, obrigando o intérprete a verificar as normas gerais sobre tal instituto jurídico previstas no Código Civil, além de outras presentes na Lei das Sociedades Anônimas, na hipótese de regência normativa supletiva.
Vale destacar que o art. 1.390 do Código Civil estabelece que o usufruto abrange “os frutos e utilidades” de um bem. Já o artigo 1.394, prescreve que o “o usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos”. Podemos citar como exemplo de frutos os dividendos, e de utilidade o direito de voto.
O direito de retirada não se trata de fruto ou utilidade decorrente das quotas. Pelo contrário, uma vez exercido, aciona mecanismo de provável extinção das quotas, ou seja, dos próprio bem principal (gravado com o usufruto). Ademais, importante lembrar que a destruição do bem configura-se como umas das causas de extinção do usufruto (art. 1.410, V, do Código Civil).
Diante do exposto, necessário pensar as doações e as consequentes reservas de usufruto em cada planejamento sucessório, avaliando-se, dentro do contexto específico, se a sua utilização é ou não apropriada.
Caso a intenção seja, de fato, impedir que os novos sócios (herdeiros) venham a praticar quaisquer atos de natureza societária, ou pelo menos o exercício do direito de retirada, outras ferramentas jurídicas deverão complementar a cláusula de usufruto, a exemplo, mas sem limitar, da estipulação de obrigação de não fazer; adoção de prazo determinado para a sociedade; transformação do tipo societário de limitada para anônima; acordo de sócios, dentre outras.